A perfumista não tinha ainda superado a ausência do escritor. Tudo tornara-se insípido para ela. Não importava, não importava, não importava. Cheiro de solda, o metal contra o fogo. Ou o fogo contra o metal? Os pés, descalços, à beira do abismo. O carbono intoxicando todos lá embaixo. Apenas um passo, tudo terminaria. Ninguém se importaria.
Rufar de asas, flores campestres distantes. O que a impedia?
Os rascunhos dele. Jamais seriam publicados, amarelariam nas páginas do tempo inclemente. Belas palavras perdidas. Não era por isto que hesitava.
Era algo mais forte que ela. Quase uma força externa puxando-a para a segurança. Mas que segurança poderia ela encontrar naquele mundo?
A irmã mais nova, que deixaria à própria sorte? Era possível...mas não o suficiente para impedi-la.
O medo? O que viria depois? Arderia no inferno? Ficaria presa ao próprio corpo indefinidamente, até que o seu tempo se cumprisse? Se perderia em abismos? Seria o hiato eterno da existência?
"- Proteção."
A voz masculina era agradável, suave...angelical. A perfumista virou-se, para ver o interlocutor, e deparou-se com não apenas o homem que lhe falara, mas também com uma mulher, silenciosa, ao lado dele.
"Grande coisa...estou delirando. Só posso estar. Há décadas ninguém vem a essa edificação abandonada...Absolutamente ninguém, a não ser os suicidas que por aqui passaram."
Repentinamente, ela deu-se conta do mundo exterior. Estava em segurança, nenhum abismo à frente, o único sinal dos carros era o rugido distante.
A angústia impeliu-a a aproximar-se do limiar, a olhar para baixo e imaginar a queda. A razão perguntava-se como ela conseguira chegar àquele ponto.
- Três meses...- As palavras escorregaram da boca, um acidente verbal. E foi apenas isso e silêncio...
Nenhum comentário:
Postar um comentário