quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Devaneios

É desconfortável, não é? Digo, essa coisa de não saber quem você é, depois de tudo. Você sabe que hoje tem um corpo, tem uma personalidade, e tudo o que as pessoas querem acreditar que existe dentro delas. Mas e quando você não se vê ali? De forma alguma... Como se não tivesse uma alma? O que se pode fazer?

Talvez o segredo seja apenas não pensar. E não falar. Não dar ouvidos ao fantasma que insiste em me perseguir... Nessas horas eu queria acreditar em alguma coisa. Qualquer coisa que me desse um pretexto para não ser taxada de louca.

Estou cansada dessas imposições de normalidade aparente. "Me deixem, preciso vagar por aí também, como a alma penada que sou..."

Talvez vida e morte sejam mesmo, ambas, completamente vazias de significado.

Por que penso nisso agora?

Morar no último andar tem suas vantagens, mesmo quando se tem fortes inclinações suicidas. Me distraio encarando as edificações abaixo.

Hoje temos um céu cinzento contrastando com uma casinha laranja berrante, com outros tantos prédios azuis, brancos, amarelos e verdes.

Sempre acontece. Sempre penso em cores, quando quero escapar. Quando tomo café demais, quando fumo demais, quando durmo pouco por dias, sempre penso em tudo como se fossem cores. Cores aromatizadas. E com temperaturas.

A casa laranja quase me queima, recende a incensos fortíssimos de templos e tempos esquecidos. O pequeno prédio amarelo é como gelo e o cheiro que atribuo a ele me lembra antigas cartas. Não de amor, nem formais, apenas cartas envelhecidas com sentimentos esquecidos.

Só encontro paz e amenidade no grande descampado verde. Começa a chover, e quase posso ouvir estalos vindos das cercas elétricas.

Ninguém está seguro, mas isso não é importante.

Surpreendo-me ao pensar no excesso de zelo de alguns com a própria vida...
E na indiferença com que trato a minha, é o que penso ao me levantar e sentir o mundo girar violentamente.

As minhas formas de anestesiar tudo não funcionam mais. Todos os dias, é um novo assombro.

Puro pavor.

E nem sei mais se realmente sinto.

Concluo que realmente sinto algo: cansaço.

Desisti de lutar contra. Pelo menos por enquanto, deixo que as memórias me invadam e me dilacerem. Melhor assim.

Não quero ser uma mártir, só quero me livrar de qualquer pecado que eu tenha cometido. É um ato de rebeldia. É como se eu me voltasse para a Inteligência Superior e A afrontasse: Vê? Eu mesma já tenho o trabalho de me punir, e sei muito bem como fazê-lo.

Mas por favor, não me deixe afundar na solidão das saudades tão pesadas. Não sei se mereço esse tipo de castigo.

Talvez sim, eu os mereça. Mas não hoje, nem agora, isso é algo que não quero sentir outra vez.

Não acredito, não vivo, não morro. Quase não respiro.

E continuo. Na superfície, eu continuo... Como os outros, correndo contra o relógio, fingindo ter propósito.

Isso passa... Essa tristeza e esse pavor sempre passam... e voltam.

Mas, antes de qualquer coisa, ainda posso sonhar?

sábado, 4 de setembro de 2010

Colecionando fantasmas

Perante esta luz imensa e glacial - selvagem - tento acompanhar o meu testemunho.

Conheci a lucidez, hoje. Pura e simples e sufocante, como o chão rachando-se sob os seus pés.

Rasgando-se em dor num mundo desabado. Tentam fugir, como coelhos. Saltam. Saltam aos olhos esses excessos, o asco.

Colecionamos fantasmas por toda parte.

Bem, isto nunca deixou de ser um crime.

Ela tem uma estrutura engraçada. Talvez eu tenha também. São os risos no momento de dor. Uma mistura de crueldade absurda com puro desespero.

"E que aprendam bem as lições da vida."

Ricocheteando.

Não tenho mais forças.

Desvairada, louca selvagem, perambulo por ruas escuras e pela consciência. Restam-me apenas perguntas e um mundo destruído. Meu pequeno mundo macerado.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

IV - Alma.

Questionara-se repetidamente sobre isto: A problemática da existência se resume ao convívio? Ser humano é ser social, certo?

Por que ela isolava-se, então? Fechara os olhos para o mundo por tempo demais...E quando, finalmente, tornara a abri-los, o choque foi intenso demais.

Não que ela admitisse alguma fragilidade. Pelo contrário: por ter perdido tanto, sentia o estranho orgulho preenchido de mágoa dos sobreviventes.

Passara um longo tempo encarando as mãos que tanto atentaram contra ela, naquele dia. O dedo que antes exibia uma aliança, agora exibia dois aros dourados e uma cicatriz. Eram marcas pesadas para ela, precisava admitir de uma vez por todas.

Quando tivera a ilusão de que seguir em frente seria tão fácil? Em algum momento, todos retornam ao ponto de partida, afinal.

Estagnar por um dia, após ter aparentemente superado parecia absurdo e inadmissível. Espera-se que os mortos fiquem em paz, para sempre. Era incontestável, em seu íntimo, que o "deixar descansar em paz" fosse o mais correto.

Mas...céus, como era sofrido admitir que haveria uma eternidade de distância entre o corpo da perfumista e o corpo do escritor!

De toda forma, como recordar-se dele sem o pavor do rompimento e sem o caos das lembranças e dos sentimentos?

Ao menos, pensava, visitara o túmulo dele neste ano. Abandonara-se. Tentara chorar, mas as lágrimas desobedeciam-lhe e recusavam-se a descer. Talvez ela fosse uma fonte estéril e insensível; talvez as lágrimas simplesmente se esgotassem, algum dia.


Sofrera, como toda criatura sensível a um toque pode sofrer. Os toques que a atingiram, entretanto, a estilhaçaram.

Até que se reerguesse, passaria horas ao lado de um túmulo frio. Apoiaria-se no mesmo mármore frio para se levantar, e novamente, tentaria seguir.

Talvez não fosse uma vida de todo ruim, afinal. Sabia que sobrariam as saudades, que teria esses momentos cambaleantes no sepulcro. Contudo, estava armada, dessa vez
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